sábado, 7 de junho de 2014

Pipa



Ela olhava pela janela mas só via seu interior confuso.
Ela encontrou um conforto e nele sabia que só se aventurava, contravenção inocente.
Olhava mais alto e sentia o vento forte.  Achava que o vento podia levar qualquer coisa que desejasse.
Olhou mais alto e em frente e viu a pipa de um menino.
Só via a pipa e não o menino, contudo sabia que ele estava lá a brincar.
Quis imaginar como ele estaria. Estaria ele sorrindo, estaria ele sozinho, estaria ele se distraindo?
Enquanto olhava para o céu e para pipa a balançar com o vento que melhorou o dia do menino, a moça de pensamentos perdidos ouvia uma canção, uma bela canção.
Repetiu várias vezes aquele canto em pensamento. Fazia dele sua oração.
A moça pensava em sua história, com um pouco de drama como gostava de fazer.
Gostava de sentir. Gostava de pensar, de planejar e de ouvir músicas profundas.
Pensava no seu alívio, na letra daquela canção, na pipa e no amanhã.
Desejava que a verdade daquela voz bonita se tornasse a sua verdade.
Ardia de vontade de ser livre como um simples papel bem recortado e colado a hastes de madeira.
Sempre quis ver as coisas de cima. Panoramicamente.
Pecava por querer ver demais. Ver além. Entender da vida as coisas mais escondidas.
Mas naquele dia ela entendeu o que dizia aquela música, "É de Deus tudo aquilo que não se pode ver."
A moça não viu mais a pipa que sumiu num límpido azul do céu.
O que ela viu foi seu coração sereno ser tomado de um alívio melhor do que aquilo que a confortava antes.

sábado, 29 de março de 2014

Enche o peito de ar


Acorda, se veste, escova os dentes e corre para não perder o ônibus. No ônibus, a primeira experiência do dia de observar os seres humanos. Alguns ainda dormindo em pé como eu, outros euforicamente conversando ao telefone, os mais espertos conseguem ler um livro ou ouvir uma música. Alguns com uma dose de falta de educação matinal, outros gentis, simpáticos com um exuberante bom-humor no raiar do dia. Há o motorista e o trocador que devem ter acordado bem mais cedo que eu e que raramente estão dispostos a ser educados. Mas como de costume a gente dá o bom dia para exercitar e torce para que o motorista seja ágil na medida certa, já que nunca se consegue lugar para sentar. O peso de umas duas ou três sacolas com as necessidades do dia inteiro começa a ser percebido pelas mãos, pelos braços e pelos ombros e às vezes por passageiros generosos que oferecem uma ajudinha. Etapa vencida, a gente enche o peito de ar e renova o fôlego para um dia que está apenas começando.
Trabalho vai e trabalho vem. Passou o dia e é hora de encher o peito de ar para um retorno, menos apressado mas não menos tumultuado.

Ventilar o interior é uma necessidade não somente física. E isso é fácil de notar. A quantidade de ar que entra vem para que as toxinas que acumulamos no cotidiano possam dar lugar a um elemento puro. O ar.

Então, nobres senhores de estupim curto, antes de subir nas tamancas vamos encher o peito de ar.
Aos desanimados crônicos, sugiro, respire um pouco, ou intensamente, depois de uma corrida, dá um up jóia!
Aos sempre sem esperanças, inspire fundo e continue esperando até quando der mais uma vez.

E enquanto eu escrevia eu enchi o peito de ar por muitas coisas, espero que você também. Uma boa noite e amanhã cedo um bom dia.

Um aviso ao cara valente


Me desculpe a minha franqueza cara valente, mas hoje vou lhe dar alguns avisos. 
Valentia tem relação com muitas coisas mas não exige rigidez. 
Então, não precisa ter opiniões inflexíveis. É também permitido a você, mudar um pouco, de vez em quando. 
Cara valente, humildade é necessário, é atraente e digno de qualquer homem, até dos valentes. 
As provas que você insiste em oferecer a todos a sua volta, da sua valentia, só atesta sua incapacidade de confiança. Meu caro, quem é bom sabe só para si, não necessita espalhar a mensagem.
Cara valente, arrogância e grosseria deixou de ser másculo há bastante tempo. Portanto, descubra outras manobras para seduzir com mais sutileza, assim não está sendo esperto.
Espero que não queira ser valente para uma vida toda, mas se ainda assim quiser, lembre-se pelo menos de uma dessas palavras para começar: humildade. Vai por mim, há sempre mais charme no recato dos homens humildes.

Sem mais.

Belezas

É porque existem muitas belezas! 
Tem olhos que são bonitos,
Tem voz que é bonita,
Tem sorriso que é bonito, 
Tem cabelo que é bonito. 
Tem história que é bonita.
Tem amor que é bonito.
Tem amizade que é bonita. 
Tem corpo que é bonito, 
Tem dentes que são bonitos,
Tem unhas que são bonitas.
Tem muita gente que quer todas as belezas juntas.
Deve até ser bom, fora o constrangimento, tudo bem.
Mas nem tudo é belo, perfeito e pronto, e nem todos.
Alguém deve achar também que pode misturar, incrementar.
Vai ver tem olhos bonitos e o cabelo nem tanto.
Vai ver a história é bonita mas as unhas roídas.
Vai ver o sorriso é bonito mas o corpo é franzino.

E nessa coisa toda, Deus sabe o que faz. Ainda bem que há beleza no mundo. E graças a Deus não é só isso que há.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Grata

De tudo que me falta, sobra muito o que recebi 
Posso até achar que ainda não tenho tudo 
E que tudo eu não quero ter,
Mas eu quero o tudo do meu querer.
E meu querer é assim forte e simples.
É não exceder.
É ser graciosa com as palavras.
É ver mais das pessoas, começando por mim.
É contemplar.
É admirar.
É me inspirar.
É me compadecer.
É me divertir.
É ponderar, é tolerar.
Meu querer é saber esperar.
Meu querer é sempre aprender.
Pode ser rir para depois chorar.
Pode ser chorar para depois rir.
É simples como dias ensolarados.
É forte como cenas de enredos dramáticos.
É simples como os acordes mais básicos unidos.
É forte como um abraço de perdão.
Simples feito o caminhar
Forte feito o encaminhar.
Grata por isso, por hoje!

Pelo mundo

Esteja em si
Saia de si
Compreenda!
Veja de perto
Escute o recorrente
Afasta-se de si!
Conhecer a si mesmo é entrar e sair, é convidar-se a entrar e expulsar-se muitas vezes. 
Veja-te com os outros, e não nos outros. 
Descolar-se de determinantes, 
Ir pelo mundo, desejante...

O pulo do gato



Como se tivesse descoberto algo, envolto de grande segredo e encanto, permaneceu contendo-se das emoções que lhe ocorriam de sobressalto. 
Cantava por dentro as canções que soavam mística e ainda assim revelava por descuido algumas frases soltas, talvez àquelas que a alma não aguentava segurar. Eram as mais marcantes. 
Talvez quisesse fazer como todos os outros faziam: revelar-se otempo todo para quem quer seja, para muitos e para poucos de consideração.
Ponderando sobre si, decidiu que melhor não. Guardo para mim meu sucesso e meu fracasso de cada dia. Até mesmo os amigos, poucos devem saber, do muito que se necessita dizer. Devagar entende-se o porquê.
A sua verdade (se é que isso existe) estava sendo desencoberta por um árduo trabalho, duro trabalho, de insistência e de dor.
As coisas tornavam-se difíceis por demais quando entendia que fazer a mesma coisa de sempre manteria o mesmo infortúnio de sempre.
E fazer diferente era a questão. Agora explica: como? de que jeito? Famoso pulo do gato.
O pulo do gato ninguém explica, porquê ninguém entende.
Ou melhor, entende. Coisas que só as razões particulares pode fazer entender. Generalizar não funciona. Globalizar não funciona. Recomendar não funciona.
Para ele foi fazendo sentido devagar, tão devagar que dava até nervoso. Até que foi sendo tomado por relâmpagos de ideias sobre como caminhar. E por ai que está o pulo do gato.