segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Ressignificar uma porção de coisas


Não é que seja bom querer o sol e ganhar a lua.
Não é que seja ruim esperar a chuva e o tempo abrir.
Não é que seja triste descobrir a solidão.
Não é que seja feliz quem não para de rir.
No mundo uma porção de coisas estão por ai.
No mundo uma porção dessas coisas não estão nem ai.
No mundo uma porção de gente não está nem ai.
No mundo uma porção de coisas estão por vir.
E não é que seja difícil esperar.
Não é que seja impossível perdoar.
Não é que se queira o mal, nem o bem e talvez o mal e o bem.
No mundo dessa porção de coisas o que se tem já valeu mais.
No mundo de uma porção de coisas é difícil saber o que dar valor.
No mundo de meias porções e porções inteiras
Tem gente que se dá, se vende, se entrega, se conquista.
Não é que seja ruim quem se dá.
Não é que seja menor quem se vende.
Não é que seja melhor quem se entrega.
Mas é que no mundo dessa porção de coisas
Quem se conquista para deixar-se conquistar
Tem que ressignificar uma porção de coisas.

sábado, 10 de agosto de 2013

Um golpe da vida

Como se pretendesse ser tudo que não se é, mostrava-se em excesso.
Tentava cotidianamente domar seus leões internos.
Conhecendo-se de cabo a rabo sabia que não era fácil.
Faria mais e melhor, à esquiva de sua naturalidade.
Pode até então ouvir queixas e achava mesmo que não tinha lugar no mundo.
O que pairava no ambiente higiênico não permitia sua sujeira aparecer.
Vivia se corrigindo, se desculpando, se culpando e fugindo de se reconhecer.
Colecionava desafetos e sobravam desentendimentos, até que sua própria tristeza conduziu-o a uma direção diferente. Sempre dizia, não aprendi isso, não fazia assim, eu sou desse jeito. Não vou me adaptar.

"Agua mole em pedra dura tanto bate até que fura."

Vendo de outro modo, foi um jato bem intenso, frio congelante, que tratou de despedaçar.
A quebrar resistências, arrogâncias, um ar cheio de razão.
Desmoronado tratou de refazer-se.
Talvez não mais quisesse ser pedra.
Talvez não quisesse ser muito rígido.
Talvez não quisesse ser duro consigo mesmo.
Talvez não quisesse sua frieza com os outros seres.
Talvez se constituiria um novo ser.
O que se há de fazer com os golpes da vida?
O que se há de fazer com a impossibilidade de ser a mesma coisa?
Dentre tantas possibilidades, aceitar.









sábado, 25 de maio de 2013

Tudo fica sustentado pela fé

Alimento da alma não se encontra em ofertas fáceis.
É preciso um arrancar de si.
Perceber-se sedento, ainda que se desconheça do quê.
É quando se olha para cima e se olha para dentro para entender.
E se olha para dentro e se olha para cima para perdoar.
Não necessita falar, não necessita saber, não necessita pedir.
Mas se puder explicar, traduzir em palavras vai ajudar.
Incredulidade que cega, afasta e desmorona a esperança.
Aceitar que não se crê devia aproximar.
Confessar que não compreende os fatos.
Desafrouxando as dores do peito.
Permitir não guardar todas.
Desaprisionar a tristeza, dá-lhe outra moradia.
Não sou capaz de pensar pouco.
Não me desapego e esqueço o que quero abandonar.
Só rezo e peço que eu 'veja no geral' e possa acreditar.
Com pena que não me enganam as coisas vis.
Para mim não basta aparentar tem que transcender.
Nem sempre transparecer e aparecer.
Entregar-se!
Tentativa de estar perto do amor maior que não está em mim.
Que só sinto quando acredito que posso confiar.

"Milagres acontecem quando a gente vai à luta."  OTM

sábado, 18 de maio de 2013

Recuperar o bem



O medo do louco, não desfaz a tua loucura.
O medo da vida, não a torna compreensível.
Valeu-se na prerrogativa - afasta de mim esse cálice.
E Deus não permite.
O medo do aprisionamento, não o faz livre.
O medo de amar, não te exime de querer ser amado.
E por estar assim, a alma padece.
Humano que quer longe outro humano, que não se reconhecem.
Em tempos de avanço 'irmão desconhece irmão'.
Ora, já se sabe há tantos mil anos, não temos tetos de vidro.
O medo do mal, não o dissipará.
O medo de Deus, não vai te amparar.
Desacobertar o estrago.
Desassossegar a alma.
Desestranhar o outro.
Reconhecer-se frágil.
Redescobrir os laços.
Recuperar o bem.







sábado, 4 de maio de 2013

Sutil firmeza, firme sutileza


Um viver de sensibilidade em meio à aspereza do que é estar vivo.
Um afeto solto, descompromissado, atrapalhado e sincero.
Uma observância de cuidado, não uma fiscalização rígida.
O tato, o abraço, o remédio, o agrado.
Um querer de vontade em meio aos imperativos do que é estar vivo.
Um incentivo calado, acalentado, emotivo e suave.
Um olhar penetrante e não uma atenção flutuante.
O sorriso, o gosto, o tédio e o contato.

Quais regras a valer quando o que se quer é poder chegar mais perto?
De um romantismo bobo feito inspiração para quem pode perceber.
A sutileza da constatação.
Quanto tempo esperar quando se sabe que é a vez do outro de dizer?
De uma expectativa leviana feita contradição para quem deve escolher.
A firmeza da decisão.



quarta-feira, 1 de maio de 2013

"Um chá pra curar esta azia, um bom chá pra curar esta azia"

Tem o hábito do café. Tem outros hábitos também.
Tem coisa que nunca muda.
Tem coisa que agride, fere, corrói por dentro. Uma azia.
Aquela coisa tipo enjoo, aquela coisa que não desce bem.
Aquilo que deixa empazinado, que era melhor não estar ali.
A gente sabe o que gosta e o que agrada, mas nem sempre escolhe bem.
A gente nem sempre dá o tempo certo para digerir.
A gente não tem como prever o que vai fazer mal, ou pelo menos não exatamente.
Uma hora a gente decide mudar hábitos.
Escolhe melhor o que a gente quer que fique.
Decide o que não vai entrar e resolve expulsar aquilo que fez mal.
Não se trata de café somente.
Uma hora a gente decide mudar a vida.
Nessa hora um chá cai bem para curar a azia.
O mal-estar da alma pede outras escolhas.



terça-feira, 30 de abril de 2013

Ficar na minha

Ana chamou Zé para um passeio. Ele não queria mas sentiu que magoaria Ana. Zé foi.

Roberto amava Marta de uma forma que ela já não queria. Mas já que estavam juntos, ela continuava ali.

Clarice e Bárbara são amigas. Bárbara sempre agride Clarice com o seu já conhecido temperamento explosivo. Clarice se importa mas se obriga a relevar todas as grosserias da amiga.

Carlos faz piada de tudo e todos e compele a quem queira ou não um senso de humor, afinal tem-se que rir de tudo.

Gabriela gosta de Henrique. Henrique tem outra e toda sexta se dirige a Gabriela. Gabriela não quer mas não vê saída, gosta dessa insistência, mas não gosta também.

Nina procura João, não tem resposta. Nina aparece para João, não tem resposta. Nina liga para João, não tem resposta. Nina chateia-se. Nina vai na casa de João, não tem resposta. Nina quer também ignorar. Nina liga para o amigo do João, tem resposta. Nina manda mensagem para João, não tem resposta.



Uma vida, um drama cotidiano.
Uma vida revela de quem ela é no que é pequeno.
Isso não se resolve fácil.
Uma vida, um drama cotidiano de amor e de amizade.
'Tenho que', 'não posso deixar de ir', 'o que vão pensar', 'como não vou fazer isso'?
Onde eu acho o que eu desejo? No que está em mim.
Uma vida, um drama cotidiano, de ir ou não ir, de não ficar e de permanecer.
Triste sem, pior com o que eu não quero.
Posso não querer ficar sozinho, mas eu posso ficar sozinho.
Ficar na minha.





segunda-feira, 22 de abril de 2013

Por não estarem distraídos - Clarice Lispector

"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque  brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles se admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela que que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia grande poeira nas ruas e quanto mais erravam mais aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque eles não estavam mais bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que já eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo, por não estarem mais distraídos."

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Um pequeno deslize


Um arranjo te leva a aceitar seu destino.
Nunca muda, nada muda, é assim que é.
Não me conformo. Há de haver uma saída qualquer.
O desejo insiste. A angústia aumenta.
Um descontrole surge em controlar tudo que está pronto.
A história se repete. Espera-se o novo e ele não vem.
Busca-se conforto em respirar aquela sensação de alívio que não chega.
Você está fazendo isso errado, um dia entende assim.
Mudaram-se os formatos, os nomes, os enredos, o desfecho não muda.
Os dias são sem sabor, aqui e ali, não se vão.
Agarrados no tempo de uma vida que não se quer levar.
Principia um empenho de se colocar diante dos fatos.
Ah, os fatos. Esses já estão tão bem colocados em uma perspectiva.
Rearranjá-los de outra maneira, mudar a ótica e a ética.
Deslizar, deslocar, adotar outra posição no seu próprio mundo.
Esvaziar o drama. Não esperar o critério alheio.
Uma abstração tão simples, só que não.
Aceitar as escolhas, os afetos, as indiferenças.
Sem preciosismos, sem pretensão, sem razão.
Não ter respostas, não saber, não imaginar, não investigar.
Um contento haverá em deixar como está.
E sem perceber nada será como antes
Se deixar deslizar.


sexta-feira, 5 de abril de 2013

Ao meu redor a vida acontecia

Um pouco a olhar de dentro para fora.
Pessoas a passar por ali.
Alguns trabalhadores possivelmente a pensar: mais uma semana de ofício.
Outros como eu, só espiava.
Um casal a se abraçar, pelo jeito, pelo toque, deduzi, se enamoram.
Aquilo que eu via era bom de ver.
Pensava em mim. Queria observar mais.
Tudo era pacato e havia uma leve brisa.
Barulhos inconvenientes não chegavam a atrapalhar.
Pude percebê-los como uma música de fundo. Certa de que sempre estiveram ali.
Transitavam idosos, crianças e motores.
Coisas de uma vida bem comum.
Um ambulante a gritar: "Olha a empadinha!"
Outro, vendedor de vassouras, não teve a mesma espontaneidade.
Era bom de ver. A vida acontecia.
Eu pensava: roubei o instante da vida de alguém.
Não saberão que foram observados.  O que sentiriam se soubessem?
A vida seguiria e talvez eu ganharia algum sorriso.
E ganhei. O meu. A felicidade me tocou sinalizando-me, não estás sozinha.
Ao meu redor a vida acontecia e em mim ela era vivificada intensamente.



sexta-feira, 22 de março de 2013

Lavando a alma


Saudade do tempo em que uma noite toda chorando, me dava a sensação de ter lavado a alma.
Hoje já não consigo chorar como antes.
Contenho meu desespero e reprimo minhas angústias.  Tento encaminhá-las de outra forma.
Honestamente, uma maneira imatura e juvenil de resolver as coisas, é muitas vezes tudo que queria.
Quem sabe assim me alivia dessa pressão de ser adulta e equilibrada.
A vida já não me permite isso. Uma hora a gente cresce. Não que isso seja melhor mas é preciso.
Deus me livre dessas manias modernas de se livrar do mal.
Só quero saber o que fazer quando o peito dói e a gente sente que está fazendo tudo errado.
Só quero saber como superar as criancices que passam pela minha cabeça.
Só queria saber como faz para admirar sua condução de um problema difícil sem achar que só fez piorar.
Eu só queria saber seguir adiante.
E não me venha com o mais do mesmo 'pense positivo' porque isso para mim não é razoavelmente uma premissa possível em todas as situações. Quiçá não é um bordão que se equivale a dizer 'não tem o que fazer'.
A mim só resta tentar 'chorar as mágoas' aqui e aguardar o outro dia. E um dia de cada vez!
A você leitor que chegou até aqui, posso dizer já me sinto melhor.
Lavei minha alma distintamente de outrora.


quarta-feira, 13 de março de 2013

Sem formato mínimo

Somos seres reduzidos.
Reduzidos ao que se quer definir. 
Enquadrados e classificados.
Naturalmente!
Sou tantas coisas para eleger um só de mim. 
Mas quando falam de mim, precisam dizer se sou o tudo ou o nada. 
Mundo, te faço um pedido, deixe-me não ser de categoria alguma?
Só quero não ter respostas,  só não saber o que falar sem ter problemas com isso,  só não saber de tudo, quero só não saber o que eu deveria saber. 
Será que dá? 
Você sabe de mim? Te dou razão por preguiça. Diga o que quiser. 
Aceito de bom grado o teu rótulo, porque para me desquantificar já é tarde.
Ou será que já estou devidamente qualificada para preencher os requisitos desse bando?
Aliás, faço isso com você também! Inevitavelmente! Só que me dói um pouquinho. 
Haverá um dia que tua individualidade será contemplada. 
Sua produção não terá estilo, área, linha ou vertente. 
Haverá um dia que não iremos misturar tudo para dar liga.
Sua integridade não estará submetida às leis do meio. 
Em que não se verá no espelho o reflexo de um discurso da sociedade ou dos seus pares.
Conhece-te a ti mesmo, sem formato mínimo! 

 

 


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Ladies and gentlemen

Não ignore o anúncio.
Ele não vai passar se você clicar.
Senhoras e senhores!
A apresentação vai começar.
Meu coração clama por arte.
De ordem qualquer, me apetece.
O que te diverte?
Diversão alheia me diverte.
Piada inteligente e espontaneidade.
Uma boa rima, gestos e poses.
História bem contada e uma dança inusitada.
Crise de risos por nada.
Um repente.
Ladies and gentlemen!
Veja por essa ótica sua vida.
Aonde o riso te acompanha?
Vista-se de alegria, mesmo sem combinar.
Tire sarro das suas próprias pérolas.
Senhoras e senhores!
Uma vida com humor não se paga.
Nada que não se cure com a risada.
E se me perguntarem, platéia, eu respondo.
Passaria a vida alimentando-me da arte.